Sportbuzz
Busca
Facebook SportbuzzTwitter SportbuzzYoutube SportbuzzInstagram SportbuzzTelegram SportbuzzSpotify SportbuzzTiktok Sportbuzz
Mais Esportes / FUTEBOL

Caso Scarpa: Psicóloga avalia como fatores externos podem influenciar nas quatro linhas

Ana Cláudia de Jesus Vasconcelos usou a polêmica envolvendo os jogadores ex-Palmeiras para explicar o papel da psicologia nas atividades profissionais

Leonardo Fabri Publicado em 20/03/2023, às 14h08

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Gustavo Scarpa está no futebol inglês - Nottingham Forest
Gustavo Scarpa está no futebol inglês - Nottingham Forest

Muito se falou a respeito do prejuízo financeiro de Gustavo Scarpa - cerca de R$ 6 milhões - com o possível golpe de pirâmide financeira envolvendo as empresas Xland Holding e WLJC, do também jogador de futebol William Bigode.

O que ainda não foi abordado foi a possibilidade do agora meia do Nottingham Forest, da Inglaterra, ter tido também um prejuízo psicológico, capaz de afetar sua performance dentro das quatro linhas.

Talvez pelo fato do ex-Palmeiras ter feito uma boa partida contra o Fortaleza no dia 2 de novembro de 2022, no fatídico dia em que ele entrou com uma queixa crime contra a assessoria de investimentos de seu então companheiro de time.

Atualmente Gustavo Scarpa é reserva no time inglês. Questionado sobre o meio-campista brasileiro não ser relacionado para os jogos, o treinador do Nottingham Forest apontou o problema extracampo.

"Ele teve alguns problemas pessoais para resolver e estamos dando a ele nosso apoio, inclusive permitindo que ele viaje ao Brasil", disse Steve Copper. "Isso afeta o desempenho e a disponibilidade do futebol e todo esse tipo de coisa. Espero que ele possa resolver isso e depois se concentrar em sua disponibilidade para nós".

Para entender sobre como os fatores extracampo podem influenciar na performance de atletas em geral, conversamos com a psicóloga Ana Cláudia de Jesus Vasconcelos, que destrinchou o tema.

Confira abaixo o bate-papo:

Até que ponto os fatores extracampo podem tirar o foco de um atleta a ponto de ele não conseguir render numa partida?

O primeiro ponto que devemos destacar aqui é que o atleta, antes de ser atleta, é uma pessoa, um ser humano. E, como pessoa, enfrenta desafios em sua vida particular. É necessário, portanto, olhar para ele de forma mais humanizada e menos como uma máquina.

Na sua vida pessoal, o atleta está passível de apresentar alguma chateação, de enfrentar desafios familiares, de atravessar lutos e de vivenciar perdas. Então, tudo isso deve ser levado em consideração quando enxergamos o atleta enquanto ser humano. E, caso o jogador não esteja bem preparado emocionalmente e mentalmente, estes fatores extracampo podem afetar sua concentração, interferindo em sua capacidade de foco, o que pode culminar em prejuízo da performance e em seu rendimento.

Diante deste cenário, o preparo emocional precisa caminhar em paralelo ao treinamento físico intenso. Afinal, o atleta não é formado somente pelas partes física, tática e técnica, mas, também, da parte emocional. Assim, o jogador deve estar apto a gerenciar suas reações emocionais diante de situações que se apresentam como desafiadoras.

Dessa forma, podemos ressaltar quatro competências básicas do jogador de futebol: técnica, tática, física e emocional. Logo, pouco adianta ser um atleta em corpo de aço, extremamente habilidoso, se o seu emocional não é trabalhado.

Além do prejuízo financeiro, esse imbróglio poderia ter feito ele ter um prejuízo de performance?

Sim, pois, se o atleta não consegue administrar as variáveis envolvidas nos momentos decisivos, ele pode ter um prejuízo de performance. No caso do jogador Gustavo Scarpa, havia um fator complicador: a empresa a que ele tinha feito uma queixa crime era de seu companheiro de time.

Ou seja, ao envolver uma relação de amizade, isso poderia ter gerado um conflito emocional para ele, se tivesse sido interpretado como “jogar contra (fora de campo) quem (dentro de campo) jogava com ele”. Caso Scarpa tivesse permitido essa situação abalar seu emocional, isso poderia ter afetado negativamente seu rendimento.

Como existe uma alta cobrança em cima dos atletas de ponta, eles precisam estar bem psicologicamente para enfrentar, por vezes, um mix de emoções e de sentimentos presentes nas partidas decisivas. E, principalmente, quando em sua vida particular estejam ocorrendo situações, também, decisivas.

O que a performance em alto nível de Gustavo Scarpa mesmo num dia desse pode indicar em relação à mentalidade dele?

Os jogadores de futebol estão expostos a um grande número de estressores que atuam sobre seu desempenho atlético. E o desempenho insatisfatório no futebol é um processo complexo e multifatorial. Pensando neste dia da partida contra o Fortaleza, devemos ressaltar a provável coexistência de diferentes pressões (internas e externas) para Gustavo Scarpa:

A pressão da torcida: o que se esperava de Scarpa, por seu excelente desempenho ao longo da temporada. O nível de expectativa sobre ele é ampliado, por ser alguém tão admirado pela torcida de seu clube; A pressão da mídia: que imagem dele seria transmitida, por sua atuação no jogo (até mesmo pelo momento que estava vivenciando – sair do Palmeiras para iniciar sua carreira na Europa); A pressão dele mesmo: o campeonato dependia da equipe e, consequentemente, dele – por ser um integrante fundamental do time.

E a excelente performance de Scarpa aponta para um ótimo gerenciamento dessas possíveis pressões. A competência emocional do, então, meia do Palmeiras, foi fundamental para que ele mantivesse seu foco naquela partida decisiva do Campeonato Brasileiro de 2022. Tal competência diz respeito à capacidade de regular os próprios estados emocionais e inclui habilidades como: capacidade de controlar os impulsos, motivar-se, bem como lidar com incertezas.

Para seu rendimento de alto nível na partida, foi primordial que o jogador conseguisse administrar as emoções provocadas pelas dificuldades que enfrentava em sua vida particular. O Alviverde venceu a partida e confirmou o título. Mas, para que o resultado dentro de campo tivesse sido a vitória, Scarpa precisou deixar fora do Allianz Parque as preocupações com resultados que não dependiam exclusivamente dele, mas da justiça.

Dessa forma, percebe-se que é necessário que os atletas usem os recursos individuais de forma efetiva e eficiente nas situações de competição esportiva. Têm êxito os atletas cuja mentalidade consegue gerenciar as pressões do esporte de alta performance, superando os fatores extracampo que interferem em seu rendimento.

Em alguns casos, atletas têm a possibilidade de não entrar em campo. O próprio William Bigode pediu afastamento de seu atual clube, o Fluminense. Nesses casos, quando é indicado ao atleta ter um hiato? Vem dele, por não conseguir se concentrar?

O atleta não é uma máquina, muito embora seja visto assim. Logo, é importante enxergar a pessoa do atleta, que, como todo ser humano, está sujeita a enfrentar os diversos desafios impostos nas diferentes áreas da vida.

Quando o atleta apresenta dificuldade para administrar as variáveis pessoais que interferem na vida profissional, seu desempenho pode ficar prejudicado. E, dependendo da adversidade que esteja vivenciando, o jogador pode necessitar de uma pausa na atividade profissional, solicitando afastamento do clube. Dando ênfase, assim, para o autocuidado, com o intuito de recuperar, dentre outros elementos, a concentração e o foco que a atividade esportiva exige.

Essa pausa pode funcionar como um recurso que o atleta lançará mão para se restabelecer, pois sua boa performance depende de que ele esteja bem técnica, tática, física e emocionalmente. E o próprio atleta pode identificar que é o momento de uma pausa. Neste movimento de autocuidado, ao trabalhar seu emocional, o atleta consegue lidar com os sentimentos que estão envolvidos na pressão diária por resultados.

Qual o papel de um especialista, no caso um psicólogo, em casos como esses, nos quais fatores externos podem interferir em performances profissionais?

O trabalho do psicólogo esportivo se conduz no caminho de promover a saúde mental e o bem-estar dos atletas. Assim, no trabalho com os jogadores, busca-se um desempenho eficaz e uma performance otimizada dentro de campo. Neste sentido, gerenciar de forma adequada as habilidades cognitivas e emocionais pode ser determinante para se atingir um excelente rendimento.

É, portanto, papel do psicólogo analisar todos os fatores psíquicos que podem interferir, de alguma maneira, no desempenho do atleta ou da equipe. E tanto a análise quanto às intervenções do psicólogo serão realizadas para que as dificuldades sejam resolvidas.

Considerando o aspecto biopsicossocial humano, o jogador poderá se deparar com necessidades em quaisquer das seguintes esferas: biológica, psicológica ou social. Dessa forma, se existem necessidades no plano social e psicológico, o psicólogo esportivo irá investigar e intervir em todas as variáveis ali envolvidas.

Neste sentido, a atuação do psicólogo, junto ao atleta, se desenvolve a partir de uma abordagem das emoções vivenciadas pelo jogador em sua rotina de trabalho. Assim, podem ser trabalhadas questões como motivação, concentração em competição, persistência no treino, temperamento, liderança e trabalho em equipe.

Conclui-se, então, que é de fundamental importância o olhar para a saúde mental e emocional dos atletas. Além disso, é preciso que haja incentivo para este autocuidado que, necessariamente, reflete na performance do atleta de alto rendimento.