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Colunistas / Eduardo Colli / Jogos Paraolímpicos

Conheça a história do "pai" dos Jogos Paraolímpicos

Ludwig Guttmann nasceu na Alemanha em 1899 e, além dos Jogos Paraolímpicos, revolucionou o tratamento das lesões na medula

Eduardo Colli Publicado em 20/08/2021, às 10h29

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Estátua em homenagem a Ludwig Guttmann - Wikimedia Commons
Estátua em homenagem a Ludwig Guttmann - Wikimedia Commons

Ludwig Guttmann nasceu em Tost na Alemanha no dia 3 de julho de 1899. Aos três anos de idade com sua família se mudou para Konigshutte, em uma região como grande atividade da mineração de carvão.

Em 1917, trabalhando como voluntário no hospital de mineiros aconteceu seu primeiro encontro com a paraplegia. Um jovem mineiro com uma fratura na espinha. Após atendê-lo, Guttmann ouviu de um médico: “não se preocupe, ele estará morto dentro em pouco tempo”. Após cinco semanas, com um quadro se septicemia generalizada provocada pela infecção urinária e outras doenças, o mineiro morreu. Guttmann se lembraria deste paciente pelo resto da vida.

De 1919 até 1924, ele estudou medicina inicialmente na Universidade de Breslau e depois na Universidade de Friburgo, onde se tornou ativo membro da fraternidade judaica para informar e sensibilizar contra o antissemitismo nas Universidades alemãs. Autoconfiante ele afirmava: “ninguém precisava ter vergonha de ser judeu".

Carteira de Ludwig Guttmannda na Universidade de Breslau - Créditos / Wikimedia Commons

Formado médico, foi trabalhar no departamento neurológico com o professor Otfrid Foester no hospital em Breslau.

Em 1928, ele trabalhou como neurocirurgião no Hospital Universitário em Hamburgo e no ano seguinte, se tornou assistente do Dr. Foester e publicou seu primeiro artigo acadêmico.

No ano de 1933, com a proibição de médicos judeus trabalharem em hospitais públicos, Guttmann foi demitido e imediatamente assumiu do departamento neurológico e neurocirúrgico do hospital judaico em Breslau.

Com a ascensão de Hitler ao poder, a posição dos alemães com origem judaica ficou cada vez mais difícil. Mesmo assim, acreditando que o nazismo não iria durar muito tempo, ele não aceitou os convites para trabalhar no exterior.

Tornou-se Presidente da Comunidade Médica Judaica e se expos ao perigo, ajudando refugiados e pacientes.

Em 9 de novembro de 1938, na chamada “Noite dos Cristais”, quando judeus foram atacados na Alemanha e na Áustria, Guttmann internou sessenta e quatro pessoas com intenção de salvá-las. Ao ser interrogado pela Gestapo sobre essas internações repentinas, ele alegou que eram casos de urgência.

Ele salvou todos, mas três deles foram enviados para campos de concentração. Foi então que ele percebeu que deveria deixar a Alemanha.

Após tratar em Portugal, um amigo do ditador português António Salazar, com sua família, Guttmann emigrou para a Grã-Bretanha em março de 1939.

Patrocinado pelo Dr. Hugh Cairns, um dos principais neurocirurgiões desse período, e ajudado pelo Conselho para Assistência de Acadêmicos Refugiados, Guttmann começou sua pesquisa em Oxford.

Nesta época, os paraplégicos eram engessados e confinados em leitos onde viviam como aleijados inúteis, sem esperança, desesperados e indesejados. Condenados pelo resto de suas vidas às instituições para doentes incuráveis sem incentivo para voltarem a ter uma vida útil.

A taxa de mortalidade por paraplegia traumática nos exércitos britânicos e americanos durante a Primeira Guerra Mundial era muito alta e atingiu 80% dos casos.

Inspirado no tratamento de lesões da coluna vertebral que o Dr. Munro introduziu nos Estados Unidos na década de 1930s, onde os pacientes eram virados de posição a cada duas horas para prevenir as escaras. Em dezembro de 1941, Guttmann apresentou um estudo como os pacientes que sofriam de lesões na medula espinhal deveriam ser tratados e reabilitados.

Em 1943, prevendo que o número de pacientes paraplégicos iria aumentar com o ataque do Dia D, na primavera de 1944, o Conselho de Pesquisa Médica da Inglaterra decidiu criar um centro especial para pacientes com lesões na medula espinhal.

O governo britânico então nomeou Guttmann como diretor geral do primeiro Centro de Reabilitação para Pacientes com Lesões na Medula Espinhal, no Hospital de Stoke Mandeville em Aylesbury. Ele aceitou sob a condição de total independência para aplicar o seu método de tratamento.

Ludwig Guttmann - Créditos / Wikimedia Commons

O Centro começou a funcionar em fevereiro de 1944 com 26 leitos. O objetivo de Guttmann era a reintegração dos pacientes na sociedade como membros respeitáveis e úteis apesar do seu elevado grau de deficiência. 

Nos dois primeiro anos de atividade do Centro, a mesma pergunta dos visitantes: "realmente vale a pena?", demonstrava como seria difícil superar as percepções e os preconceitos seculares. Uma frase de um dos primeiros pacientes sintetizava a atitude derrotista da sociedade: "uma das tarefas mais difíceis para um paraplégico é animar seus visitantes!".

Embora ele não pensasse em si mesmo como psicólogo, em toda a estrutura do programa de reabilitação, Guttmann demonstrou a profunda compreensão dos fatores psicológicos dos pacientes com lesão de medula.

Conhecendo o valor terapêutico, recreativo e psicológico, ele revolucionou ao introduziu no tratamento dos paraplégicos, as atividades físicas para o fortalecimento muscular e a prática esportiva.

Além disto, solicitou que as equipes de enfermagem interagissem com os pacientes, relatando fatos cotidianos para que eles criassem uma conexão com o ambiente fora do hospital. E mais impressionante, colocou pacientes e enfermeiros sentados em cadeiras de rodas para competirem.

Rapidamente, a prática desportiva foi incorporada ao programa de reabilitação e se transformou em atividades para homens, mulheres e crianças no Centro de Reabilitação. Iniciativa que posteriormente foi expandida para toda a Grã-Bretanha.

Seus pacientes praticavam várias modalidades esportivas, do basquete em cadeiras de rodas até corridas com próteses, e os resultados apareceram. 

Selo com em homenagem à Ludwig Guttmann - Créditos / Wikimedia Commons

Em 1944, ao ver pacientes em cadeiras de rodas e com bengalas correndo atrás de um disco que deslizava sobre o piso, Guttmann entrou no jogo e assim nasceu um novo esporte, o polo em cadeira de rodas.

Carinhosamente chamado “Poppa”, ele era persistente, criativo e revolucionou sua área ao conseguir reabilitar e reintegrar seus pacientes como indivíduos dignos e produtivos, superando as limitações.

Em 28 de julho de 1948, um dia antes dia da abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, foram realizados os primeiros Jogos de Stoke Mandeville. Quatorze homens e duas mulheres que serviram o exército britânico na Segunda Guerra Mundial disputaram prova de tiro com arco na grama do hospital. A data não foi escolhida por acaso, Guttmann queria que seus Jogos fossem divulgados.

Realizados anualmente, em 1952, com a participação de uma equipe de veteranos de guerra paraplégicos holandeses, os Jogos se tornaram internacionais.

Com apoio do COI – Comitê Olímpico Internacional ficou estabelecido que os Jogos Internacionais de Stoke Mandeville nos anos olímpicos deveriam ser realizados no país sede dos Olímpicos.

A primeira edição dos Jogos Paralímpicos foi realizada na cidade de Roma em 1960. Após o encerramento, ao discursar no Vaticano para uma plateia com centenas de paratletas em cadeiras de rodas, o Papa João XXIII afirmou: “Dr. Guttmann você é o Pierre de Coubertin dos paralisados”.

Em 1961, Guttmann se tornou o primeiro presidente da Sociedade Médica Internacional de Paraplegia e também o primeiro editor da revista da Sociedade, Guttmann se aposentou em 1966.

Seu legado é sem dúvida maior que os Jogos Paralímpicos. Ele revolucionou o tratamento das lesões na medula e se tornou símbolo do resgate da esperança para milhares de pessoas.

Por problemas cardíacos, o Dr. Guttmann faleceu no dia 8 de março de 1980 em Aylesbury na Grã-Bretanha.

Com o título: “The Best of Men” (O melhor dos homens), sua vida foi retrada em um documentário da BBC. Ao ser acusado de não admitir que seus pacientes fossem inválidos, que não teriam uma vida normal, um colega lhe perguntou: “quem eles pensam que são?”. Olhando diretamente para seus olhos, Guttmann respondeu: “os melhores dentre os homens”.